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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

OS SÍMBOLOS

Como primeiro passo investigativo, pode-se logo encontrar que o símbolo é uma representação figurativa de algo ou que evoca um conhecimento, um pensamento, podendo ser este símbolo algo pessoal ou mesmo coletivo e universal desde que todas as pessoas que tem acesso ao símbolo consintam numa mesma interpretação dele. Uma pessoa que ao caminhar na praia, em um dia especial e marcante de sua vida, junta uma bela concha e a deixa visível na estante de sua casa, vê nesta concha o símbolo que a faz recordar de um belo dia vivido em que estava na praia vivendo algo especial e do sentimento que a moveu a cuidadosamente eleger o objeto como representação daquele momento, e ainda que o objeto em si faça qualquer outro associá-lo simplesmente com seu local de origem, uma praia qualquer, a concha neste caso tornou-se um símbolo de interpretação e valor pessoal para quem a elegeu como tal, pois traz a recordação de algo além do que sua simples aparência sugere. Já como exemplo de um símbolo universal, aquele que extrapolou a esfera pessoal e tomou lugar no inconsciente coletivo, podemos considerar o da cruz vermelha, em qualquer lugar do mundo ao ver-se este símbolo estampado em algo se associa subitamente com a interpretação de serviço e socorro à vida humana, sem que seja necessário nenhuma palavra dita ou escrita, é assim quando o vemos estampado numa maleta, num jaleco, etc.

Mas assim que aprofundamos um pouco além do significado básico do que vem a ser os símbolos e o simbolismo, adentramos em campos mais vastos e complicados, mas também intelectualmente estimulantes, a respeito da profundidade deste tema e o que ele pode proporcionar para o homem que transforma o símbolo em causa motriz de muitas ações em sua vida, quando o símbolo se associa com a espiritualidade humana. Teriam os símbolos algum poder? Não, ao menos não propriamente o símbolo em si, mas o propósito e a ação que ele desperta no ser ao ter sido associado como uma referência que o faz recordar de seus objetivos, nisto reside o poder do símbolo, que seria neste caso a ativação de algo na consciência do próprio ser no instante em que ele ao olhar para um objeto que está fora desperta e recorda ao mesmo tempo um propósito que está dentro de si. Esta propriedade pode ter uma aplicação tanto boa quanto ruim, dependendo da mensagem que o símbolo estimula em quem o interpreta e das intenções que desperta em quem o adota. Joseph Campbell, sem dúvidas o maior estudioso de mitologias de nossa época, disse a respeito disto que: "um símbolo contém a estrutura que desperta nossa consciência para uma nova percepção interna da vida e da própria realidade. Através dos símbolos nós entramos emocionalmente em contato com nossa essência mais profunda, com os outros e com Deus".

É desta forma, através dos sentidos, da emoção experimentada e do propósito despertado pelo simbolismo que nasce a experiência mística do mesmo, e também podemos dizer mítica além de mística, no sentido de reviver ou reproduzir na própria experiência o mito ao qual faz referência. Mircea Eliade em seu livro "O Sagrado e o Profano", nos diz que uma das funções da experiência do sagrado nos espaços e nos símbolos que retratam um mito, sem entrarmos na avaliação da eficácia deste objetivo diante do fato de que a grande massa não alcança consciência deste sentido interpretativo, seria o de despertar no homem o dever e a necessidade de reviver em sua própria vida a lição do mito em si como uma orientação pedagógica para guiar suas experiências pessoais. Por exemplo, na cultura da Grécia antiga Hércules era o símbolo da força e tinha como seu mito os seus doze trabalhos, que eram suas lutas e superações para alcançar seu propósito, e assim a presença de sua imagem nos templos ou nas casas teria o objetivo, interpretando isto através da teoria do inconsciente coletivo, não de prestar culto e adoração ao personagem em si, mas mais profundamente de atuar na psicologia daqueles homens fazendo-os recordar e criar o pensamento de que cada um devia tomar o exemplo de Hércules e enfrentar seus trabalhos pessoais com toda sua força, superar-se para alcançar a conclusão de seus propósitos, e para este objetivo o mito necessitava, assim como é hoje com outros mitos, ser revivido nas mentes através dos teatros, nos templos, nas histórias contadas, para manter-se vivo e atuando sobre a vontade daqueles homens, e este seria justamente, segundo Mircea Eliade, o sentido primitivo e essência do que acontece com os mitos adotados pelas culturas em suas respectivas épocas passadas e atuais. 

Mircea Eliade também evidencia em seu livro "Imagens e Símbolos", que além do simbolismo por trás dos mitos que pertencem a uma cultura específica, há também os símbolos que nas mais diferentes culturas e nas mais diversas épocas conservaram um significado essencial e comum, uma interpretação simbólica quase que universal (mais uma vez a construção do inconsciente coletivo), encontrando-se nas mitologias, nas religiões, nas culturas primitivas, etc. Assim são por exemplo a água e o fogo como símbolo de purificação e de renovação desde a mais remota antiguidade, pelo efeito que produzem já que a água assim como limpa o corpo também simboliza e recorda que a conduta e a vida espiritual devem ser constantemente higienizadas, também o fogo aflora os sentidos e simboliza o combate ao frio e escuridão também espirituais, as altas montanhas ou monumentos verticais sempre presentes nos mitos como símbolo do contato com o plano superior, de onde o homem sente-se elevado e enxerga a amplidão do espaço, as cavernas, recintos ou templos que em suas respectivas épocas e nas mais diversas culturas são o símbolo do local fechado aonde adentra-se para viver uma experiência de transformação e sair de lá renascido (tal como o útero) para a vida profana, sem falar da presença universal do sol como símbolo de poder divino, por não ser possível a vida sem a sua presença, e muitos outros símbolos que retratam a busca do homem por uma relação transcendente com o universo que o rodeia.

Com o surgimento da filosofia, tal como a concebemos e que surgiu na Grécia justamente no momento que os homens começam a separar a sabedoria e o mito, foram gradualmente dispensados os símbolos e as imagens representativas em favor da busca pelo conhecimento lógico, a partir do momento que estes mesmos homens chegaram a uma conclusão de que a crença no sobrenatural derivada da crença cega nos mitos e a aceitação passiva das histórias contadas como respostas às grandes questões humanas traziam como conseqüência um não despertar da necessidade de indagações críticas e da busca por ampliar e melhorar os entendimentos, e assim nascia a raiz da ciência, dissociada do simbolismo e da espiritualidade. No entanto, após tanto o homem caminhar guiado pelo conhecimento lógico e ausente de simbolismo, alguns pensadores chegaram a uma avaliação crítica e a estudos de que em sua essência o símbolo teria uma função de despertar algo no homem, de proporcionar uma reativação de seus deveres e propósitos em meio as experiências comuns e que isto é mais difícil de conseguir sem a presença inquietante do símbolo, pois neste caso o conhecimento lógico, a razão, pode de fato criar os melhores pensamentos para conduzirmos nossa vida com moral e ética quando esta está em pleno funcionamento, mas para recordar durante as experiências pessoais destes propósitos e da necessidade de uma conduta alinhada com os mesmos, muitas vezes torna-se útil o símbolo como estímulo para auxiliar o homem trazendo a tona estes pensamentos na medida que o símbolo sintetiza e numa fração de segundos traz consigo uma série de significados à mente. Ainda não conseguimos recordar e ter presente a qualquer instante todo e qualquer pensamento elevado prescindindo de estímulos externos para despertá-los dentro da mente em momentos oportunos. Por este motivo Mircea Eliade nos diz: "o pensamento simbólico precede à linguagem e a razão discursiva e o símbolo pertence à vida espiritual, podemos camuflá-lo, mutilá-lo, degradá-lo, mas jamais podemos extirpá-lo". A mensagem de pensadores como Mircea Eliade e Joseph Campbell é de que devemos assimilar o pensamento simbólico como interpretação do símbolo ou dos mitos, e refletir a respeito do que eles podem nos falar como aplicação de um conhecimento na vida, o que está muito além de ser uma crença em objetos ou deificação de personagens.

Em 1985 foi realizada uma entrevista e produzido um documentário com Joseph Campbell que no Brasil encontra-se com o nome "O poder do Mito". Transcrevo abaixo, com tradução livre, um interessante trecho da entrevista aonde fala-se a respeito dos símbolos em sua interpretação mística:

Moyers: Você vê uma distinção entre a religião baseada na interpretação histórica e literal dos símbolos e a religião onde os símbolos são vistos como referências míticas que nos ajudam a ver a nós mesmos.
Campbell: Sim, a última é a religião do misticismo, a outra a religião da crença em objetos concretos, Deus como um objeto concreto. Para entendermos um símbolo completo nós devemos deixá-lo ir. Quando você pode deixar o significado literal da tradição religiosa morrer, então ela retorna renovada. E isso então o liberta para respeitar mais outras tradições religiosas. Você não precisa ter medo de perder algo quando você deixa a tradição.
Moyers: Algo parecido com isso não está acontecendo em alguns corpos religiosos? Na Igreja Católica Romana, por exemplo, muitas pessoas já não aceitam mais a autoridade dos clérigos em regularem suas vidas, mas ao mesmo tempo eles continuam próximos da tradição católica. Eles parecem sentir por si mesmos de uma nova forma.
Campbell: Sim, está acontecendo em muitos grupos. Muitas pessoas aprenderam a deixar os símbolos religiosos falarem diretamente a elas para dirigir suas vidas. Elas não acreditam que um grupo de bispos ou outros líderes religiosos possam se reunir em conferências e decidir por elas qual interpretação de um símbolo deve ser acreditada. Mas elas não rejeitam suas próprias interpretações religiosas, elas descobriram que os símbolos, quando não são impostos literalmente, podem falar mais claramente à diversas tradições. As Igrejas precisam se perguntar: Nós vamos enfatizar a história de Cristo ou a segunda pessoa da Trindade Divina, aquele que conhece o Pai? Se você dá demasiada importância ao relato histórico, você “desenfatiza” o poder espiritual que é o símbolo da consciência que está dentro de nós.
Moyers: Não é desconcertante para uma pessoa re-examinar suas tradições religiosas desta forma?
Campbell: Sim, este é o problema de deixar a tradição morrer. O autor místico Meister Eckhart escreveu uma vez que a definitiva mudança é trocar Deus por Deus. As pessoas se apavoram com a idéia de que todos nós podemos ter algo em comum, que elas estão abrindo mão de algum tipo de exclusividade sobre a verdade. Isso é mais menos como você descobrir que é francês e é um ser humano ao mesmo tempo. Exatamente este é o desafio que as grandes religiões enfrentam na Era Espacial.