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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

DEÍSMO

(visite também o site do NEODEÍSMO, uma nova proposta para uma vivência pragmática e associativista do deísmo: www.deismo.com.br)

O deísmo é uma postura filosófica que admite a existência de Deus, mas não aceita o dogma da revelação divina, das verdades revelas das religiões.

Para o deísmo Deus não é um ser antropomórfico (forma de homem), não interfere “pessoalmente” na vida do homem e da humanidade, é a Força que criou o Universo, a Criação, é um Deus que se faz presente enquanto Suprema Inteligência transmutada em verdadeiras Leis Eternas que regem esta Criação, a exemplo da evolução e causa e efeito, tanto aplicáveis na matéria como na própria vida do homem, cabendo ao homem saber conduzir-se e ser responsável como parte da Criação, sendo que para exercer esta responsabilidade e manter-se em acordo com as ditas Leis que deve descobrir e compreender, cabe o uso da razão e da sensibilidade concomitantes, da capacidade de observar e de aprender, ferramentas que fazem parte de sua constituição, e não da simples ingenuidade ou da crença cega.


O deísmo está muito esquecido, e até manchado e difamado como um tipo de ateísmo velado, mas ser deísta não é ser ateu, é ser atento ao essencial... Ser deísta é algo como afirmar: “acredito em Deus, mas não acredito nas religiões”, e isto não deve ser visto como uma ofensa, pelo contrário, é apenas uma postura filosófica, pois se um cristão, por exemplo, crê na autoridade da sua religião e não crê no islamismo ou no hinduísmo, o deísta simplesmente não crê em nenhuma, mas crê na essência, no Universo como obra de um Princípio Criador, na vida como algo divino e sagrado, no bem, no amor, etc. Isto porque o deísta entende que no final, cedo ou tarde, toda religião passa, pensamento este representado na frase “mitologia é a religião dos outros”, dita por Joseph Campbell, ao explicar que a verdade revelada de uma religião, para a outra não passa de um mito, e que toda mitologia um dia foi religião, por mais que tenha durado milênios tal como a religião dos egípcios que durou mais de três mil anos. O deísmo leva a pressentir que no fim o que prevalece e não vira mitologia é a essência, a busca de uma relação com um universo infinito e sagrado, uma vida espiritualizada, e que nesta caminhada de milênios o homem vem aprendendo a se desprender dos exageros e dos fanatismos frutos da ignorância. Muitos filósofos e pensadores voltaram-se para o deísmo, tal como Voltaire que afirmou “acredito no Deus que criou os homens, não acredito é no deus que os homens criaram”. Para o deísta, Deus se revela na ciência plasmada no universo, na lógica que encontra em tudo que lhe rodeia e na vida em si mesma. No cristianismo a palavra Logos aparece como sendo o Verbo de Deus, que se manifestou na pessoa de Jesus, estando escrito no livro sagrado cristão que “o Logos se fez carne e habitou entre os homens”. A expressão foi tomada dos gregos, para os filósofos gregos Logos era a Sabedoria manifestada no Universo, de onde deriva a palavra lógica, deixando entender que para os filósofos metafísicos o desenvolvimento da lógica era o aprofundamento no Logos, ou seja, a busca da Verdade.

Mas se para o teísta, aquele que acredita na verdade revelada da religião, existem além dos dogmas as regras as quais ele segue com a intenção de fazer-se uma pessoa de bem (caridade, amor ao próximo, prática do bem, etc.), de onde o deísta tira suas orientações para harmonizar-se com Deus, já que acredita Nele mas não crê em dogmas e em imposições de terceiros? Como já foi mencionado, a bússola do deísta é a razão, seria necessário mandamentos divinos para entender que é errado roubar, matar, mentir, desrespeitar seus semelhantes ou abandonar alguém doente? O deísta raciocina sobre o bem e sobre o mal, e sobre as consequências de suas escolhas na vida diante de sua convicção de que há uma razão maior para estar vivo, e que ele é parte de uma humanidade que herdará a consequência de seus atos, o que traz o senso de dever ainda maior do que simplesmente não cometer pecados, traz a responsabilidade de buscar uma melhor educação, mais cidadania, melhores relacionamentos, mais ética, etc.
E como o deísta vê os livros sagrados das religiões já que não crê na verdade revelada dos mesmos, já que não crê em intermediários entre Deus e os homens? O deísta então desrespeita ou odeia os livros sagrados que o teísta reverencia? Não se ele compreender bem o que é ser deísta e ser ético, não repetindo o mesmo ódio pelos que pensam diferente tal qual fazem os crentes fanáticos, para o deísta o livro sagrado de qualquer religião pode ser visto como um livro que é em si um símbolo: o de que há ali a representação da crença na existência de Deus, mas que o conteúdo das páginas, isto sim, pode ser interpretado, questionado e até mesmo rejeitado pela sua livre razão. O deísta, se compreende bem o deísmo, a ética e for livre-pensador, não repudia abrir um livro religioso e encontrar nele material para reflexão filosófica espiritualista, assim como pode o fazer com a mitologia, filosofia, arte ou ciências, mas exerce o direito de questionar aquilo que é contrário à razão, selecionando o conhecimento essencial, não aceitando por verdade factual aquilo que para ele é apenas metafórico ou até mesmo fantasioso, que é produto de mentes de uma época sem ciência, discriminando os enxertos e excessos supersticiosos presentes nestes livros, que o deísta vê como a versão de uma época supersticiosa e imaginativa aonde se queria explicar tudo enquanto se escrevia a história de um povo e de sua religião. O deísta também pesa em seu discernimento a realidade das interferências dos manipuladores do poder em épocas em que reis e sacerdotes caminhavam juntos, aonde os líderes que conduziam as religiões e interpretavam os livros sagrados estavam ao lado ou eram os próprios que governavam os interesses do Estado, de modo que era estratégico impressionar e atemorizar as mentes para mantê-las subjugadas, sendo que por isto tudo o deísmo historicamente desde sua origem alerta para o perigo iminente na crença cega nos livros sagrados seja de qual religião for, pois este processo histórico é semelhante nos mais diversos lugares do mundo. Os livros sagrados de qualquer religião são, como já foi dito, a representação da crença na existência de Deus sob condições histórico-culturais, são obras humanas, são livros repletos de simbolismos, metáforas e influências de mitos, sempre envoltos nos dogmas e nas crenças particulares dos seus povos de origem, com suas linguagens alegóricas e metafóricas que não podem ser tomadas literalmente. Justamente pelo fanatismo é que se geram as discórdias e por vezes até mesmo o ódio entre os crentes em suas lutas pelo predomínio da sua verdade, além de criarem travas para o livre pensar.
E sobre a essência espiritual do homem, sobre seu espírito? O deísta a partir do momento que admite Deus como Inteligência Divina plasmada na Criação, reconhece-se também como elemento desta Criação, reconhece em si uma partícula desta inteligência, a chamada “partícula divina”, algo em si que o eleva da simples condição da realidade física, algo metafísico, algo que o conecta ao eterno, mas não se atreve a pintar cenários de um “mundo do além” destinado a esta partícula divina, trilha seu caminho confiando na vida vivida com sabedoria e não alimenta fantasias, vive uma espiritualidade particular sua, que em geral resume-se em crer na existência de um Deus que difere do Deus religioso, crer no dever de praticar as virtudes, crer na eternidade sem dogmatizá-la e sem afligir-se por não ter respostas prontas, ser valente diante das incertezas preferindo o caminho da ciência e da razão, ver-se como um livre-pensador, alguém que ama a possibilidade de transitar livremente pelas vias do pensamento, juntando as verdades que encontra como alguém que monta apaixonadamente um grande quebra-cabeças, infinito e eterno.
Sim, eu sou deísta.