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sábado, 14 de julho de 2012

A MORTE



Disse-nos Platão que “a morte não é o pior que pode nos acontecer”, e de fato talvez o pior seja ter vivido sem dignificar a vida. Por este motivo Platão recomendava pensar sobre a morte, a morte seguramente nos chegará, e portanto seria bom refletir sobre como se tem vivido, para que ela não chegue de forma que nos arrependeríamos de ter vivido da forma que vivemos, se tivéssemos tempo para isto. Na verdade a morte na maior parte das vezes nos acontece de surpresa, muitos não tem nem tempo para pensar se teriam vivido diferente ou melhor caso soubessem que acabou-lhes o tempo. Por este motivo, talvez pensar na morte devesse ser feito não como algo deprimente, mas como um exercício de reavaliação da própria vida, afinal, vivemos corriqueiramente procrastinando e fechando os olhos para os problemas que nos envolvemos acreditando que o tempo se encarrega de tudo, ignorando que o tempo pode justamente pôr fim ao nossos planos de ter tempo...

Sic transit gloria mundi! “Assim passa a glória do mundo”, é uma frase latina que é utilizada para afirmar o terrível e inevitável, que a glória, o poder, o luxo, a vaidade, tudo se consome e é passageiro. A frase fixou-se no coroamento dos papas, aonde diante do novo eleito na ocasião de sua coroação o mestre de cerimônias deixa um pedaço de papel o qual ateia fogo e este se consome num piscar de olhos enquanto se pronuncia a frase em latim.

Assim sendo, qual recordação deixaríamos em nossos familiares se morrêssemos amanhã? Seria o que gostaríamos? Quais exemplos deixaríamos para nossos descentendes? Nossa vida teria sido uma trajetória evolutiva interior ou apenas mais uma folha ao vento? Ainda temos tempo de mudar, mas só faremos se quisermos como algo necessário. Enquanto conquistar o carro do ano ou sonhos de consumo que ainda não temos for mais importante que conquistar uma virtude que ainda não temos, não estaremos focados na conquista dos verdadeiros tesouros que podemos acumular. Neste sentido está a mensagem espiritual que se encontra no âmago das religiões e nas filosofias, o de valorizar o que é importante para uma visão mais ampla e mais consciente da vida, de si mesmo e da felicidade. Assim é que no cristianismo encontramos a orientação “Não ajunteis riquezas na terra, onde a traça e a ferrugem as corroem, e os ladrões assaltam e roubam. Ajuntai riquezas no céu, onde nem traça nem ferrugem as corroem, onde os ladrões não arrombam nem roubam". Ao interpretarmos o céu como o mundo imaterial, aonde habita nossos sentimentos e nossa essência espiritual, fica claro que o tesouro imperecível é a honradez, a virtude, a pureza de coração, a caridade, o bem, etc. Se pensarmos na morte tendo presente este conceito, no final a certeza fixada na própria consciência e a marca deixada na recordação dos demais em ter sido um bom pai, um bom amigo, um bom marido, uma pessoa honrada e exemplo de esforço em querer ser e fazer melhor, mesmo não sendo perfeito, será um tesouro mais significativo que ter tido muitos carros ou muitos bens. Muito similarmente encontramos no budismo a seguinte orientação: “Os que confundem o essencial com o supérfluo jamais alcançam, devido à sua confusão, o Essencial que é o Nirvana, o supremo refúgio que se encontra além de todas as amarras. Mas aqueles que vêem o essencial no essencial e o supérfluo no supérfluo, por seu julgamento reto, alcançam o Essencial”.

Isto não anula nosso direito e a porção de bem que podemos experimentar ao usufruir da conquista de bens e riquezas com responsabilidade, apenas nos lembra de que isto não deve ser o objetivo principal, nada disto passará pela morte de nosso ego, de nossa personalidade, diferente da essência e do crescimento que obtivemos que estão consubstanciados com nosso espírito. Por isto ouve-se muito o ditado já popularizado que o problema não é ter posses, é ser possuído pelo que se tem. Neste contexto, de pensar na morte e sobre onde está a verdadeira riqueza, podemos citar como ilustração e arte elaborada com verdadeira maestria o conto de Charles Dickens: “Canção de Natal”, já adaptado inúmeras vezes para o teatro e para o cinema, tomando como conteúdo o seu drama central, que extrapola a crença religiosa no Natal, aonde o personagem principal já velho e rabugento recebe a visita de três espíritos que o levam para uma viagem introspectiva sobre como ele viveu sua vida, a felicidade que experimentou, as amarguras que causou e como ela pode acabar se ele não repensar suas prioridades. Pensar na morte pode nos impulsionar a pensar em mudanças para nossa vida.

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